Inicio esse post me apresentado àqueles que não me conhecem. Sou dentista, com mestrado e doutorado em Ortodontia pela USP-Bauru, MBA em Gestão em saúde pela FGV. Professor há mais de 27 anos, onde já exerci atividades na graduação e pós-graduação aos níveis de mestrado e especialização. Coordenei por 8 anos um programa de mestrado em Ortodontia. Dessa forma, me sinto confortável em fazer uma análise crítica sobre o ensino da Ortodontia no nosso país. Minha intenção não é coroar ou demonizar nenhum programa ou profissional que se dedique ao ensino da Ortodontia, mas, muito humildemente, externar minha visão do quadro atual e meus sentimentos em relação às áreas profissionais que, muito cedo, decidi me dedicar: Saúde e educação.
Como profissional de saúde, penso que o nosso paciente é a nossa maior responsabilidade. Dessa forma, buscar a melhor solução possível para os seus problemas é nosso dever e nossa obrigação. A atualização dos conhecimentos previamente adquiridos é fundamental. Um profissional da saúde tem a obrigação de sempre se atualizar, principalmente numa área onde as novidades técnicas e o desenvolvimento de novos materiais são uma constante. Para isso existem os cursos de atualização, os congressos, as publicações dos periódicos, seminários, etc.
Como profissional do ensino, penso que é minha responsabilidade oferecer ao aluno a melhor formação possível, pois o conhecimento transmitido a ele determinará, em parte, a sua qualidade e atuação profissional e influenciará diretamente nos resultados dos seus tratamentos no consultório. De certa forma, aquele que ensina é responsável indiretamente pelo paciente do seu aluno! Essa formação necessariamente deve ser ofertada nos diversos cursos de especialização, mestrados e doutorados.
Como gestor entendo que o ensino, como qualquer outra atividade profissional, é também um negócio na área de prestação de serviços. Como um negócio em saúde, deve estar baseado em critérios de qualidade, segurança do paciente e ética, oferecendo àquele que o compra uma excelência na na formação profissional e também moral. Deve se manter sempre em evolução, incorporando os novos conhecimentos e observando as tendências do mercado, superando as dificuldades por ele impostas além de gerar lucro.
No Brasil, uma pesquisa que fiz ao site do CFO, mostra a existência de 100 cursos de especialização reconhecidos e 16 cursos credenciados em funcionamento, oferecendo, teoricamente, 1392 vagas para a formação de novos ortodontistas. Se esse número é real, torna-se difícil de dizer, pois vários outros podem estar em funcionamento com autorização do MEC e sem registro no Conselho Federal de Odontologia. Além disso, cursos que já concluíram seus programas e estão em fase de renovação de turma e de autorização no CFO também não aparecem nessa lista.
Essa oferta exagerada de cursos tornou o mercado altamente competitivo e, para atrair alunos, uma briga de preços, uma oferta de carga horária reduzida, algumas vezes até menor que o mínimo exigido pelo CFO (atualmente 1500 horas), distribuídas em programas semanais ou mensais, mostra uma total falta de controle e planejamento pelos órgãos fiscalizadores competentes. O ensino da Ortodontia, nas especializações, virou TERRA DE NINGUÉM!
Quando avalio os cursos de mestrado e doutorado, o site da CAPES apresenta um números de 23 programas credenciados, o que gera, teoricamente, mais 276 vagas para a formação de professores e pesquisadores. Se esse número é real, não posso afirmar, pois dos 165 cursos de pós-graduação em Odontologia registrados na CAPES, apenas 23 apontam a Ortodontia como área específica do programa. A grande maioria faz o seu registro como mestrado em Odontologia ou clínica odontológica, sem especificar a área do conhecimento. Certamente em alguns desses programas a Ortodontia deve estar contemplada.
Quanto aos programas, atualmente a grande maioria está mais voltada para a produção científica, hipervalorizando a publicação de artigos e, infelizmente, negligenciando a formação da capacitação clínica do futuro profissional, que teoricamente será o responsável pela formação de novos especialistas. Muitos deles reduziram ou aboliram completamente a carga horária clínica e passaram a ser ofertados em cronogramas mensais e até bimestrais. Só como parâmetro de comparação, fiz meu mestrado e doutorado em regime semanal, de dedicação exclusiva, durante 7 anos e com muita carga horária clínica!
Nesse aspecto, faço os seguintes questionamentos: Ainda existe a necessidade de formação de tantos mestres e doutores? O mercado formal do ensino da Ortodontia (nas faculdades e universidades) consegue absorver tantos profissionais altamente qualificados? Qual o resultado dessa oferta?
Para as faculdades e universidades particulares, essa grande oferta significa poder substituir os profissionais do seu quadro de professores sem muita preocupação, pois vários mestres e doutores estão aguardando uma oportunidade de entrar em uma instituição de ensino. Como prática de gestão, essas instituições muitas vezes não hesitam em trocar profissionais antigos por mais novos e inexperientes simplesmente pelo reflexo positivo na sua folha de pagamento.
Além disso, muitos mestres e doutores que não conseguiram um “lugar ao sol” nas faculdades e universidades partem imediatamente para uma carreira solo, montando cursos de atualização com a justificativa de oferecer uma oportunidade para os profissionais clínicos se aprimorarem ou ensinar o que não foi ensinado na especialização.
A cada dia que eu levanto, me espanto com esses cursos ofertados!
Diante desse quadro que descrevo, tentando ser o menos apaixonado possível e fazendo com que a razão e a realidade dos fatos possa ser mostrada, deixo a você, que leu na íntegra esse post, a pergunta: Estamos na beira do precipício ou já chegamos ao fundo do poço?
Referências:
- http://cfo.org.br/servicos-e-consultas/cursos-de-especializacao/
- https://sucupira.capes.gov.br/sucupira/